“Interpretação é, se nos ativermos ao sentido das palavras, ‘desentranhamento’, difusão e exposição do sentido disposto no texto, mas, de certo modo, ainda oculto.”[1]
Pela regra imposta no art. 594 do Código de Processo Penal, “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre solto.”
Assim, em relação ao condenado que não seja primário e não tenha bons antecedentes, dois ônus a ele se impõem por força de lei: a prisão automática decorrente da sentença condenatória (salvo se se livrar solto ou prestar fiança, sendo esta cabível) e a impossibilidade de recorrer se não for recolhido à prisão.
Na verdade, se nos limitarmos a interpretar literalmente este artigo chegaremos forçosamente à conclusão que ele afronta a Constituição (e, portanto, é inválido) quando o texto constitucional garante a presunção de inocência[2].
Ora, se o art. 5º., LVII, da Constituição proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, é de todo inadmissível que alguém seja preso antes de definitivamente julgado, salvo a hipótese desta prisão provisória se revestir de caráter cautelar, independentemente de primariedade e de bons antecedentes. Soa, portanto, estranho alguém ser presumivelmente considerado não culpado (pois, ainda não foi condenado definitivamente) e, ao mesmo tempo, ser obrigado a se recolher à prisão, mesmo não representando a sua liberdade nenhum risco seja para a sociedade, seja para o processo, seja para a aplicação da lei penal. Mais estranho se nos afigura ao atentarmos que aquela presunção foi declarada constitucionalmente.
Desta forma, esta prisão provisória, anterior a uma decisão transitada em julgado, só se revestirá de legitimidade caso seja devidamente fundamentada (art. 5º., LXI, CF/88) e reste demonstrada a sua necessidade (periculum libertatis[3]).
No mesmo passo, há a segunda questão: se a Constituição também assegura aos acusados em geral a ampla defesa com os recursos a ela inerentes, parece-nos também claro que uma lei infraconstitucional não poderia condicionar este direito de recorrer àquele que não tem bons antecedentes e não é primário, ao recolhimento à prisão. Observa-se que esta regra legal está complementada no artigo seguinte, segundo o qual “se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação.” (art. 595, CPP)[4].
Da mesma forma, agora igualmente soa estranho para nós não se permitir ao acusado o acesso ao duplo grau de jurisdição, quando não seja primário e não tenha bons antecedentes.
O devido processo legal deve garantir a possibilidade de revisão dos julgados. A falibilidade humana e o natural inconformismo de quem perde estão a exigir o reexame de uma matéria decidida em primeira instância, a ser feito por juízes coletivos e magistrados mais experientes.
A Constituição Federal prevê o duplo grau de jurisdição no seu art. 93, III (“acesso aos tribunais de segundo grau”) e pressupõe, evidentemente, uma decisão judicial e a sucumbência (prejuízo).
Há mais de vinte anos, o jurista baiano Calmon de Passos mostrava a sua preocupação com “a tendência, bem visível entre nós, em virtude da grave crise que atinge o Judiciário, de se restringir a admissibilidade de recursos, de modo assistemático e simplório, em detrimento do que entendemos como garantia do devido processo legal, incluída entre as que são asseguradas pela nossa Constituição.”
Neste mesmo trabalho, nota o eminente Mestre que “o estudo do duplo grau como garantia constitucional desmereceu, da parte dos estudiosos, em nosso meio, considerações maiores. Ou ele é simplesmente negado como tal ou, embora considerado como ínsito ao sistema, fica sem fundamentação mais acurada, em que pese ao alto saber dos que o afirmam, certamente por força da larga admissibilidade dos recursos em nosso sistema processual, tradicionalmente, sem esquecer sua multiplicidade.”[5]
Não esqueçamos que a “adoção do duplo grau de jurisdição deixa de ser uma escolha eminentemente técnica e jurídica e passa a ser, num primeiro instante, uma opção política do legislador.”[6]
O duplo grau de jurisdição tem caráter de norma materialmente constitucional, mormente porque o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art. 8º., 2, h, que todo acusado de delito tem “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”, e tendo-se em vista o estatuído no § 2º., do art. 5º., da CF/88, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque que no seu art. 14, 5, estatui que “toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.”
É bem verdade que a doutrina se debate a respeito da posição hierárquica que ocupam as normas advindas de tratado internacional. Parte dela entende que caso a norma internacional trate de garantia individual, terá ela status constitucional, até por força do referido § 2º.
Fábio Comparato, por exemplo, informa que “a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de expressarem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado. (...) Seja como for, vai-se afirmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflitos entre regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico”[7]: é o chamado princípio da prevalência da norma mais favorável.[8]
Ada, Dinamarco e Araújo Cintra, após admitirem a indiscutível natureza política do princípio do duplo grau de jurisdição (“nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles”) e que ele “não é garantido constitucionalmente de modo expresso, entre nós, desde a República”, lembram, no entanto, que a atual Constituição “incumbe-se de atribuir a competência recursal a vários órgãos da jurisdição (art. 102, II; art. 105, II; art. 108, II), prevendo expressamente, sob a denominação de tribunais, órgãos judiciários de segundo grau (v.g., art. 93, III).”[9]
Hoje, com a Emenda Constitucional nº. 45, temos uma nova disposição constitucional, contida no art. 5º., § 3º., da Constituição Federal, segundo a qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Resta-nos, então, já que legem habemus, interpretar este dispositivo legal (infraconstitucional e fruto de uma lei de 1973) à luz da Constituição Federal, a fim de que possamos entendê-lo ainda como válido, fazendo, porém, uma leitura efetivamente garantidora.
Aliás, segundo Luiz Flávio Gomes, em razão “do pensamento do Estado Moderno, da Revolução Francesa, do código napoleônico, onde reside a origem da confusão entre lei e Direito; os direitos e a vida dos direitos valeriam (exclusivamente) pelo que está escrito na lei; quando o correto é reconhecer que a lei é só o ponto de partida de toda interpretação (que deve sempre ser conforme a Constituição). A lei pode até ser, também, o ponto de chegada, mas sempre que conflita com a Carta Magna, perde sua relevância e primazia, porque, nesse caso, devem ter incidência (prioritária) as normas e os princípios constitucionais. A lei, como se percebe, foi destronada. Mesmo porque, ao contrário do que pensava Rousseau, o legislador não é Deus e nem sempre representa a vontade geral, ao contrário, com freqüência atua em favor de interesses particulares (ou mesmo escusos). Lei vigente, como se vê, não é lei válida. Sua validez decorre da coerência com o texto constitucional.”[10]Vejamos, outrossim, estas observações de Dante Bruno D’Aquino:“Como sua própria designação denota, a interpretação conforme a Constituição pressupõe um trabalho de exegese da norma infraconstitucional. Fundamenta-se, em primeiro plano, na superioridade hierárquica das normas constitucionais. Ou seja, no princípio pelo qual todas as normas devem se compatibilizar com a Constituição, encontrando nela, como já ressaltado por Kelsen, o seu fundamento de validade. Ao lado do primado da superioridade hierárquica das normas constitucionais está a presunção de legalidade da atividade legiferante do poder público. Esta presunção de legalidade, que, ressalte-se, admite prova em contrário, é o outro alicerce de alçada da interpretação conforme a Constituição. Noutro dizer, a superioridade hierárquica da Constituição Federal e a presunção de legalidade das leis demandam que, no exercício da atividade interpretativa, dê-se preferência ao sentido normativo que esteja consentâneo com a Carta Constitucional. (...) Importante constatar que a interpretação conforme a constituição, para além de uma categoria interpretativa distinta das modalidades clássicas, constitui um eficaz mecanismo de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos. Ao identificar a interpretação mais harmônica com a Constituição, afasta da norma a possibilidade de interpretações que surtam efeitos inconstitucionais.”[11] Ora, se temos a garantia constitucional da presunção de inocência, é evidente que não pode ser efeito de uma sentença condenatória recorrível, pura e simplesmente, um decreto prisional, sem que se perquira quanto à necessidade do encarceramento.
Como sabemos, entre nós, cabível será a prisão preventiva sempre que se tratar de garantir a ordem pública[12], a ordem econômica, ou por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. São estes os requisitos da prisão preventiva e que configuram exatamente o periculum libertatis. Estes requisitos, portanto, representam a necessidade da prisão preventiva, que não é outra coisa senão uma medida de natureza flagrantemente cautelar, pois visa a resguardar, em última análise, “a ordem pública”, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (há, ainda, os pressupostos desta prisão, que não nos interessam no presente estudo[13]).
Se assim o é, fácil é interpretar este artigo 594 da seguinte forma e nos seguintes termos: a prisão será uma decorrência de uma sentença condenatória recorrível sempre que, in casu, fosse cabível a prisão preventiva contra o réu, independentemente de sua condição pessoal de primário e de ter bons antecedentes; ou seja, o que definirá se o acusado aguardará preso ou em liberdade o julgamento final do processo é a comprovação da presença de um daqueles requisitos acima referidos.
Conclui-se que a necessidade é o fator determinante para alguém aguardar preso o julgamento final do seu processo, já que a Constituição garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Por outro lado, como a ampla defesa (e no seu bojo a garantia do duplo grau de jurisdição) também está absolutamente tutelada pela Carta Magna, o artigo ora analisado não pode ser interpretado literalmente, porém, mais uma vez, em conformidade com aquele Diploma, lendo-o da seguinte forma: não se pode condicionar a admissibilidade da apelação ao recolhimento do réu à prisão, mesmo que ele não seja primário e não tenha bons antecedentes. Aqui, vamos, inclusive, mais além: mesmo que a prisão seja necessária (e se revista, portanto, da cautelaridade típica da prisão provisória), ainda assim, admitir-se-á o recurso, mesmo que não tenha sido preso o acusado, ou que, após ser preso, venha a fugir.
Observa-se que, agora, mesmo sendo cabível o encarceramento provisório (por ser, repita-se, necessário), o não recolhimento do acusado não pode ser obstáculo à interposição de eventual recurso da defesa, e se recurso houver, a fuga posterior não lhe obstará o regular andamento (não pode ser considerado deserto), pois “a garantia do duplo grau de jurisdição assegura o conhecimento e o julgamento da apelação mesmo que o Estado não alcance êxito na recaptura do acusado.”[14]
Não concordamos, outrossim, que a exigência da prisão para recorrer seja uma “regra procedimental condicionante do processamento da apelação”, como pensa Mirabete[15], pois, como contrapõe Luiz Flávio Gomes, “se não ofende a presunção de inocência ou a ampla defesa, indiscutivelmente ofende o princípio da necessidade de fundamentação da prisão, inscrito no art. 5º., LXI”[16], mesmo porque “os princípios que disciplinam o cabimento das prisões cautelares são radicalmente distintos dos princípios que regulam a interposição, a admissibilidade, o conhecimento e o julgamento dos recursos.”[17]
Vê-se que não optamos pela interpretação literal do art. 594[18], o que seria desastroso, tendo em vista as garantias constitucionais acima vistas. Por outro lado, utilizamo-nos do critério da interpretação conforme a Constituição, procurando adequar o texto legal com o Texto Maior e evitando negar vigência ao dispositivo, mas, antes, admitindo-o válido a partir de uma interpretação garantidora e em consonância com a Constituição.
Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (...) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (...) ”[19]
Afinal de contas, como já escreveu Cappelletti, “a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas.”[20] Devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário! Como magistralmente escreveu Frederico Marques, a Constituição Federal “não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico. A conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todos.”[21]
Devemos atentar que o presente artigo foi inserido em nosso código processual penal pela Lei nº. 5.941/73, época em que vigiam em nosso País a Constituição anterior a 1988 (que não trazia o princípio da presunção de inocência) e um regime político não democrático.
Naquele contexto histórico, portanto, fácil era entender que uma lei ordinária viesse a dificultar o direito ao recurso e a prever a prisão automática decorrente de sentença condenatória recorrível. Bastava a sentença condenatória e a prisão impunha-se automaticamente, por força de lei, presumindo-se a culpabilidade ou a periculosidade do réu.[22]
Ocorre que desde 1988 temos outra Constituição, com outros princípios, muitos dos quais expressamente previstos (o que não impede a existência de princípios constitucionais implícitos, como, v.g., o da proporcionalidade). A lei anterior, então, tem que ser interpretada segundo este critério, ou seja, em conformidade com a nova ordem constitucional (sob pena de ser considerada não recepcionada e, logo, inválida), evidentemente sem ultrapassar o seu sentido literal, apenas conformando-a com a Constituição.
Hoje, contudo, conforme ensina Boschi, “o réu tem o direito subjetivo público de apelar em liberdade – mesmo não sendo primário e de bons antecedentes -, porque a suspensividade é uma qualidade ínsita aos recursos criminais da defesa.”[23]
Como dissemos, no tempo em que foi inserida em nosso sistema jurídico, a lei traduzia, em verdade, o momento histórico em que vivia o País, cabendo, por isso mesmo, atentarmos, agora, para o elemento histórico-teleológico (concepção subjetivista da interpretação, ou teoria da vontade), segundo o qual a lei obedece ao tempo em que foi intencionalmente (finalisticamente) concebida, devendo ser interpretada preferencialmente em conformidade com aquela realidade.
James Goldshimidt[24] já afirmava no clássico “Problemas Jurídicos e Políticos del Proceso Penal” que a estrutura do processo penal de um país indica a força de seus elementos autoritários e liberais.
Devemos, então, buscar abrigo neste elemento histórico, acomodando a lei às “novas circunstâncias não previstas pelo legislador”, especialmente aos “princípios elevados a nível constitucional”.[26]
Só poderíamos interpretar este artigo literalmente se este modo interpretativo fosse possível à luz da Constituição. Por outro lado, não entendemos ser o caso de, simplesmente, reconhecer inválida a norma insculpida naquele artigo de lei. A nós nos parece ser possível interpretá-la em conformidade com o texto constitucional, sem que se o declare inválido e sem “ultrapassar os limites que resultam do sentido literal e do contexto significativo da lei.”[27]
Se verdade é que “por detrás da lei está uma determinada intenção reguladora, estão valorações, aspirações e reflexões substantivas, que nela acharam expressão mais ou menos clara”, também é certo que “uma lei, logo que seja aplicada, irradia uma acção que lhe é peculiar, que transcende aquilo que o legislador tinha intentado. A lei intervém em relações da vida diversas e em mutação, cujo conjunto o legislador não podia ter abrangido e dá resposta a questões que o legislador ainda não tinha colocado a si próprio. Adquire, com o decurso do tempo, cada vez mais como que uma vida própria e afasta-se, deste modo, das idéias dos seus autores.” (grifo nosso): teoria objetivista ou teoria da interpretação imanente à lei.[28]
Portanto, não se pode ler o artigo 594 e inferir, hoje, o que se traduz gramaticalmente desta leitura. A interpretação literal efetivamente deve ser o início do trabalho, mas não o completa satisfatoriamente.[29]
Como nos ensina o Professor Miguel Reale, “a norma é sempre momento de uma realidade histórico-cultural, e não simples proposição afirmando ou negando algo de algo. (...) Se a regra jurídica não pode ser entendida sem conexão necessária com as circunstâncias de fato e as exigências axiológicas, é essa complexa condicionalidade que nos explica por que uma mesma norma de direito, sem que tenha sofrido qualquer alteração, nem mesmo uma vírgula, adquire significados diversos com o volver dos anos, por obra da doutrina e da jurisprudência. É que seu sentido autêntico é dado pela estimativa dos fatos, nas circunstâncias em que o intérprete se encontra. (...) Dizemos, assim, que uma regra ou uma norma, no seu sentido autêntico, é a sua interpretação nas circunstâncias históricas e sociais em que se encontra no momento o intérprete. Isto não quer dizer que sejamos partidários do Direito Livre. (...) Assim, o Juiz “não pode deixar de valorar o conteúdo das regras segundo tábua de estimativas em vigor no seu tempo. (...) E, concluindo, arremata o nosso filósofo: “o reajustamento permanente das leis aos fatos e às exigências da justiça é um dever dos que legislam, mas não é dever menor por parte daqueles que têm a missão de interpretar as leis para mantê-las em vida autêntica.”[30]
Carlos Maximiliano, a propósito, ensinava:
“(...) Em se tratando de normas formuladas por gerações anteriores, o juiz, embora dominado pelo intuito sincero de lhes descobrir o sentido exato, cria, malgrado seu, uma exegese nova, um alcance mais amplo, consentâneo com a época. (...) Ante a imobilidade dos textos o progresso jurídico se realiza graças à interpretação evolutiva, inspirada pelo progredir da sociedade.”[31]
Em reforço à tese ora esboçada, ilustra-se dizendo que o projeto de lei de reforma do Código de Processo Penal, expressamente, revoga os arts. 594 e 595 do atual CPP. Na respectiva exposição de motivos, justifica-se a revogação afirmando que teve “como objetivo definir que toda prisão antes do trânsito em julgado final somente pode ter o caráter cautelar. A execução ‘antecipada’ não se coaduna com os princípios e garantias do Estado Constitucional e Democrático de Direito.” São os novos tempos...
Vê-se que “las leyes son e deben ser la expresión más exacta de las necesidades actuales del pueblo, habida consideración del conjunto de las contingencias históricas, en medio de las cuales fueron promulgadas.” (grifo nosso)[32]
Ademais, observando-se o sistema jurídico e fazendo uma interpretação sistemática do dispositivo[33], assinalamos que, posteriormente a ele, surgiu no cenário jurídico brasileiro a Lei nº. 8.072/90 (Crimes Hediondos), dispondo que “em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.” (art. 2º., § 2º., com grifo nosso).[34]
Atenta-se, com Maximiliano, que o “Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio.”[35]
Veja-se a propósito as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça:
“HABEAS CORPUS Nº 11.738 – PE (1999/0120892-0) (DJU 24.09.01, SEÇÃO 1, P. 346, J. 23.05.01) .RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO. EMENTA: DIREITO PROCESSUAL Penal. TRAFICO DE ENTORPECENTE. CONDENAÇÃO. DENEGAÇÃO DO APELO EM LIBERDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Permanece o entendimento anterior da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quanto à exigência de fundamentação da negativa do apelo em liberdade de réu condenado por tráfico de entorpecente, em processo a que respondeu solto, não bastando a simples referência ao artigo 35 da Lei de Tóxicos (parágrafo 2° do artigo 2° da Lei 8.072/90). 2. Ordem concedida.” “STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 11.980 – SP (2001/0134404-0) (DJU 22.04.02, SEÇÃO 1, P. 218, J. 19.03.02). RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP. EMENTA: CRIMINAL. RHC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APELO EM LIBERDADE. RÉU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A CUSTÓDIA DETERMINADA. RECURSO PROVIDO. I. Exige-se concreta e adequada motivação para a negativa ao apelo em liberdade, ainda que se tratando de réu com maus antecedentes, tendo em vista a excepcionalidade da custódia cautelar e diante das próprias peculiaridades da hipótese - réu que permaneceu solto durante toda a instrução do feito. II. O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta para que seja determinada a segregação do paciente para aguardar o julgamento do recurso de apelação.III. Se o paciente permaneceu solto durante a instrução do processo, sem criar qualquer obstáculo ao seu regular andamento, e diante da inexistência de suficiente fundamentação quanto à necessidade da custódia, tem-se como descabida a segregação provisória determinada. IV. Recurso provido a fim de reconhecer o direito do paciente ao apelo em liberdade.”
“STJ – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 12.676 – SP (2001-004233-9) (DJU 01.07.02, SEÇÃO 1, P. 397, J. 28.05.02). RELATOR: MINISTRO VICENTE LEAL. EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CF, ART. 5º, LVII. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. CPP, ART. 594. - À luz da nova ordem constitucional, que consagra no capítulo das garantias individuais o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), a faculdade de recorrer em liberdade objetivando a reforma de sentença penal condenatória é a regra, somente impondo-se o recolhimento provisório do réu à prisão nas hipóteses em que enseja a prisão preventiva, na forma inscrita no art. 312, do CPP. - A regra do art. 594, do CPP, deve hoje ser concebida de forma branda, em razão do aludido princípio constitucional, não se admitindo a sua incidência na hipótese em que o réu teve a prisão preventiva revogada, permanecendo em liberdade durante todo o curso do processo, e não se demonstrou no dispositivo da sentença a necessidade da medida constritiva. - A circunstância única de que o paciente somente foi posto em liberdade em razão de excesso de prazo na instrução não autoriza nem justifica a decretação da custódia cautelar, ante a inexistência de qualquer fato novo que justificasse o encarceramento. Recurso Ordinário provido. Habeas-corpus concedido.”
“STJ – HABEAS CORPUS Nº 19.702 – CE (2001.0188608-4) (DJU 05.08.02, SEÇÃO 1, P. 364, J. 20.06.02). RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP. EMENTA: CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO-CONHECIMENTO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NA PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. FUGA SUPERVENIENTE DO RÉU, QUE NÃO PODE FUNDAMENTAR A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA.
(...) Se o paciente permaneceu solto durante a instrução do processo, não causando qualquer obstáculo à realização dos atos instrutórios, exige-se concreta motivação para a decretação de prisão preventiva na sentença de pronúncia, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, em observância aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. A mera alusão genérica à existência de indícios de autoria e prova da materialidade do crime não são suficientes para motivar a custódia excepcional. A fuga do paciente, em decorrência do mandado de prisão expedido por ocasião da sentença de pronúncia, não pode servir de fundamento para a necessidade da custódia – pois é posterior ao apontado ato coator. Writ parcialmente conhecido, concedendo-se a ordem para revogar a prisão cautelar efetivada contra F.A.S., determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a prisão, com base em fundamentação concreta.”
“STJ – HABEAS CORPUS Nº 20.914 – PA (2002/0017778-5) (DJU 02.09.02, SEÇÃO 1, P. 216, J. 13.08.02). RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP. EMENTA: CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. APELO EM LIBERDADE. RÉU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. FUNDAMENTAÇÃO NA QUANTIDADE DA PENA IMPOSTA AO RÉU. ALUSÃO GENÉRICA À NECESSIDADE DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A CUSTÓDIA DETERMINADA. ORDEM CONCEDIDA. Exige-se concreta e adequada motivação para a negativa ao apelo em liberdade, tendo em vista a excepcionalidade da custódia cautelar e diante das próprias peculiaridades da hipótese – réu que permaneceu solto durante toda a instrução do feito, inclusive durante o período entre o primeiro e o segundo julgamentos do Tribunal do Júri. Não tendo sido apontados fatos concretos, passíveis de caracterizar a necessidade de "assegurar eventual aplicação da lei penal", a mera alusão genérica à quantidade da pena imposta ao acusado, bem como ao fato de se tratar de segundo julgamento, não são suficientes para embasar a prisão processual. Se o paciente permaneceu solto durante a instrução do processo, sem criar qualquer obstáculo ao seu regular andamento, e diante da inexistência de suficiente fundamentação quanto à necessidade da custódia, tem-se como descabida a segregação provisória determinada. Ordem concedida a fim de reconhecer o direito do paciente ao apelo em liberdade.”
“HABEAS CORPUS Nº 39.346 - BA (2004/0157014-3)- RELATOR: MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. RÉ QUE TEVE A LIBERDADE GARANTIDA DESDE O INÍCIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO PARA RECORRER. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE REQUISITOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA PARA AGUARDAR O RECURSO EM LIBERDADE. O entendimento desta Corte Superior tem trilhado no sentido de que, advinda a sentença condenatória, só se é permitido o recolhimento à prisão se, no transcurso do procedimento, surgirem os pressupostos para tanto. Caso contrário, afigura-se constrangimento ilegal a simples anotação de motivos sem a eventual comprovação ou possível ocorrência futura. In casu, a ré teve a liberdade garantida desde o início, respondendo a todos os chamamentos da persecução, o que obriga o Juiz a, na sentença, demonstrar um mínimo de necessidade do recolhimento. Na linha do que já vem decidindo esta Corte, estando o réu preso durante toda a instrução, não tem ele direito a recorrer em liberdade, situação que inviabiliza o pedido de extensão de co-réus. Ordem concedida para permitir à Paciente aguardar o recurso de apelação em liberdade, negada a pretensão extensiva de co-réus presos desde o início da instrução. VOTO: EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (Relator): Relativamente ao contexto da impetração, onde se verificou em favor da Paciente a possibilidade de responder livre à instrução criminal, o entendimento desta Corte Superior tem trilhado no sentido de que, advinda a sentença condenatória, só se é permitido o recolhimento à prisão se, no transcurso do procedimento, surgirem os pressupostos para tanto. Caso contrário, afigura-se constrangimento ilegal a simples anotação de motivos relativos ao crime em si. (...) Como visto, não houve motivação adequada em torno dos pressupostos da cautela, ressentindo-se a decisão de acurada correspondência com os termos do processo, sobretudo porque a Paciente respondeu ao mesmo em liberdade e participou das fases processuais. Se não houve a necessidade da custódia desde o início, não pode, agora, restringir-se a liberdade da acusada sem um mínimo de apontamento concreto. A propósito, são os precedentes: "PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RHC. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. APELO EM LIBERDADE. I - Em respeito ao princípio da fungibilidade recursal, o agravo regimental interposto contra v. acórdão do e. Tribunal quo, denegatório de writ, deve ser conhecido como recurso ordinário em habeas corpus. II - Em se tratando de condenado que respondeu solto aos atos instrutórios, conforme reconhecido na sentença, a proibição do apelo em liberdade deve ser concretamente fundamentada e não apenas lastreada na gravidade do delito ou na ausência de comprovação de atividade laboral. III - Inexistindo motivação convincente, ao passo que não foi indicado fato novo que justificasse a expedição do mandado de prisão, o constrangimento ilegal resta configurado. Recurso provido." (RHC 10624/PR, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 11/12/2000). "PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU SOLTO NO PROCEDIMENTO INSTRUTÓRIO. PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA RECORRÍVEL. INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS. CONSTRANGIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. As normas e o entendimento sufragado por torrencial jurisprudência têm afirmado que a prisão cautelar necessita de efetiva fundamentação, de modo a comprovar-se os pressupostos autorizadores da prisão. Não os existindo, descabida é a medida preventiva. Do mesmo modo, incomprovados tais requisitos ab initio, na seqüência procedimental só será permitida a medida extrema se novos fatos permitirem o juízo restritivo da liberdade; do contrário, patente é a ilegalidade do enclausuramento. No caso vertente, foi o que ocorreu. O réu desde o princípio respondia livre à ação e mesmo comparecendo a todos os atos e mantendo conduta regular, viu-se conduzido ao cumprimento de prisão cautelar decorrente de sentença recorrível, ao argumento da reincidência, constrição a ser afastada nesta oportunidade. Ordem concedida para permitir ao Paciente responder em liberdade ao processo." (HC 23711/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 24/03/2003). Por essa razão, acertado o pronunciamento ministerial de fls. 86/8, do qual se colhe o seguinte: "6. Contrária a esse entendimento é a jurisprudência desse Superior Tribunal de Justiça, que exige a devida fundamentação para que impeça o réu apelar em liberdade, quando este se encontrava respondendo ao processo solto. É o que se infere dos seguintes precedentes: "PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME HEDIONDO. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. POSSIBILIDADE. 1. "(...) 2. O réu condenado por crime hediondo, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, que responde ao processo preso cautelarmente, em razão de flagrante delito, não tem direito ao apelo em liberdade, eis que o inciso II do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, dando cumprimento à Constituição da República (artigo 5º, inciso XLIII), vedou-lhe a liberdade provisória, com ou sem fiança, e o artigo 393, inciso I, do Código de Processo Penal, faz da sua prisão um efeito necessário da sentença condenatória. 3. Em casos tais, a prisão do réu condenado decorre de imperativa determinação legal e constitucional, fazendo-se despicienda toda e qualquer motivação a respeito da necessidade da custódia, que ainda é de natureza cautelar e de necessidade presumida de forma absoluta pela lei. A ausência de fundamentação da sentença de primeiro grau quanto à possibilidade de o réu aguardar em liberdade o julgamento de seu apelo, aliada à primariedade e bons antecedentes reconhecidos na sentença, justificam a colocação do paciente em liberdade." (HC 24.862/SP, 6ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 19/5/2003); 2. Conquanto o crime dos autos seja hediondo, óbice não há a que se conceda seu direito de apelar em liberdade, nos termo do artigo 2º, parágrafo segundo, da Lei nº 8.072/1990; 3. Ordem concedida." (HC 36345/BA, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 27.09.2004). "HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CRIMES HEDIONDOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. RÉU, PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES, QUE RESPONDEU SOLTO A TODO O PROCESSO.ORDEM CONCEDIDA PARA ASSEGURAR AO PACIENTE O BENEFÍCIO DE APELAR EM LIBERDADE. 1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes. 2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação, não raramente, com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada. 3. Tendo o acusado, portador de bons antecedentes, respondido ao processo solto, a circunstância do delito em apuração se tratar daqueles rotulados de hediondo, por si só, não lhe obsta o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento do apelo interposto. 4. Ordem concedida." (HC 21057/PE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 10.02.2003). "PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APELO EM LIBERDADE. LEI Nº 8.072/90, artigo 2º, II. CPP, artigo 594. 1. Tratando-se de réu que permaneceu durante mais de seis anos de instrução do processo em liberdade, não criando qualquer transtorno para o regular processamento do feito, não basta a mera indicação da Lei nº 6.368/76, artigo 35, para que lhe seja negado o direito de recorrer em liberdade, sendo imprescindível a efetiva demonstração da necessidade da custódia cautelar. 2. Ordem de "Habeas Corpus" deferida, para assegurar ao paciente o direito de aguardar o julgamento do recurso interposto em liberdade." (HC 11802/RR, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ in 18.12.2000)". Por fim, fica-nos a análise do pedido de extensão ofertado por três co-réus. Na linha do que vem entendendo este Tribunal, o direito de aguardar solto o transcurso da apelação tem relação direta com a situação cautelar do acusado desde o início da instrução. Isso significa que, se houve o recolhimento do réu no início da instrução, sobrevindo a sentença, a manutenção preventiva decorre de simples efeito da condenação. Ante o exposto, concedo a ordem para permitir à paciente o direito de recorrer em liberdade, negado o pedido de extensão aos co-réus. É o voto. JULGADO: 15/02/2005 - DJ: 07/03/2005.”
Neste mesmo sentido conferir o RHC n. 6.110, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro.
“TRF 4ª REGIÃO - HABEAS CORPUS Nº 2004.04.01.051912-3/RS (DJU 16.02.05, SEÇÃO 2, P. 482, J. 15.12.04) - RELATOR: DES. FEDERAL LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO – EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. 1 - A regra contida no artigo 594 do Código de Processo Penal - recolhimento do réu à prisão para poder apelar - deve ser examinada à luz do princípio constitucional da inocência presumida inscrito no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença pena condenatória" - oportunizando a sua observância naquelas hipóteses em que presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva descritos no artigo 312 do Código de Processo Penal. 2 - Ausente qualquer dos requisitos da custódia preventiva, indevida a negativa do direito de apelar em liberdade. 3 - Ordem de habeas corpus concedida.”
De toda maneira, não esqueçamos que este próprio Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 267, segundo a qual “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”, legitimando, portanto, o tão-só efeito devolutivo dos recursos especial e extraordinário previsto no art. 27, § 2º. da Lei nº. 8.038/90.
Em sentido oposto, infelizmente, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como se observa desta decisão:
“PROCED.: SÃO PAULO. RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. DECISÃO: O conteúdo do voto proferido pelo eminente Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Relator do HC 21.802-SP, no E. Superior Tribunal de Justiça, parece descaracterizar a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes. Cabe registrar, neste ponto, que os fundamentos em que se apóia a presente impetração -notadamente aqueles que concernem (a) à ineficácia suspensiva dos recursos excepcionais (recurso extraordinário e recurso especial), analisada em face do princípio da não-culpabilidade, (b) à necessidade da efetiva implementação, no caso, da garantia de recorrer em liberdade (assegurada, ao ora paciente, pelo magistrado sentenciante de primeira instância), em oposição à suposta impossibilidade de antecipação cautelar da prisão do condenado, e (c) à nulidade do julgamento, por cerceamento de defesa decorrente da não-conversão, em diligência, desse mesmo julgamento - não têm o beneplácito da jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou em tais matérias. Tenho para mim, em juízo de estrita delibação - e sem prejuízo de ulterior exame mais aprofundado das postulações em causa - que estas não parecem revestir-se de plausibilidade jurídica, especialmente se analisadas em face da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal.A circunstância de ainda não haver transitado em julgado a condenação penal não impede seja efetivada, desde logo, a prisão do réu sentenciado, mesmo que este haja deduzido recursos de índole excepcional, como o são o recurso especial (para o Superior Tribunal de Justiça) e o recurso extraordinário (para o Supremo Tribunal Federal). O Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se a respeito nessa questão - e examinando-a em face da presunção constitucional de não-culpabilidade - tem enfatizado que a possibilidade de interposição dos recursos excepcionais não se qualifica como causa obstativa da imediata expedição do mandado de prisão contra o réu .sentenciado, ainda que a condenação penal, como no caso, não tenha transitado em julgado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, após ampla discussão em torno dessa matéria, firmou-se no sentido de que "O direito de recorrer em liberdade não se estende ao recurso especial e ao recurso extraordinário, eis que essas modalidades excepcionais de impugnação recursal não se revestem de eficácia suspensiva" (RTJ 168/526-527, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Essa orientação jurisprudencial apóia-se no entendimento de que o postulado constitucional da não-culpabilidade do réu não se qualifica como obstáculo jurídico à imediata constrição do status libertatis do condenado (RTJ 138/762, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - RTJ 142/856, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), ainda que se revele passível de impugnação, pela via do recurso especial (STJ) ou do recurso extraordinário (STF), o acórdão de Tribunal inferior que tenha veiculado condenação penal, inexistindo, sob esse aspecto, qualquer incompatibilidade com o princípio proclamado no art. 5°, LVII, da Carta Federal (HC 71.933-PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Nem se alegue, de outro lado, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) - já formalmente incorporada ao direito positivo interno do Brasil (Decreto n° 678/92) - impediria a privação antecipada da liberdade individual do réu ainda sujeito a decisão penal condenatória recorrível. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se sobre esse específico aspecto da questão, enfatizou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não assegura, de modo irrestrito, ao condenado, o direito de sempre recorrer em liberdade (RTJ 171/857, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA). O eminente Ministro NÉRI DA SILVEIRA, Relator do precedente ora mencionado, assim se pronunciou, em seu voto vencedor, a respeito da matéria em referência (RTJ 171/866-867): "Não vejo, pois, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, invocada da tribuna, qualquer acréscimo nas garantias individuais e na proteção ao réu. A prisão do art. 594 do CPP não é inconciliável com a regra do art. 5°, LVII, da Constituição, conforme tem esta Corte proclamado. Não há ver, na Convenção em referência, regra de maior eficácia do que o sistema da Constituição, nem se pode entender que norma internacional faça inserir, em nosso ordenamento, preceito em conflito com a Constituição. Esta, como se acentuou consagra, também, o duplo grau de jurisdição, tal como na Convenção. Não vejo, a partir daí, por igual, haja a Convenção revogado a norma do art. 594 do CP" (grifei). É certo que o Pacto de São José da Costa Rica, em tema de proteção ao status libertatis do réu, proclama que "Ninguém pode ser privado de sua liberdade física. salvo pelas causaS e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas" (Artigo 7°, n° 2 - grifei). Ocorre, no entanto, que essa cláusula da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao remeter ao plano do direito positivo interno a definição normativa das hipóteses de supressão da liberdade pessoal, admite que o sistema jurídico nacional ou doméstico de cada Estado institua - como o faz o ordenamento estatal brasileiro -os casos em que se legitimará a privação antecipada do status libertatis do réu ou do condenado (RTJ 168/526527, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Nada impede, portanto, consideradas as diretrizes consagradas em nosso sistema jurídico, que o réu condenado sofra, "ex ante", a privação cautelar de sua liberdade, especialmente quando esse ato excepcional consubstanciar-se, como no caso, em decisão penal condenatória, ainda que recorrível, pois, em tal hipótese, 'já existe um pronunciamento jurisdicional declarando provada a imputação", o que autoriza a asserção de que "A situação jurídica que se configura na sentença condenatória recorrível justifica muito mais a prisão que a própria sentença de pronúncia" (JOSÉ FREDERICO MARQUES, "Elementos de Direito Processual Penal", vol. IV/94, item n. 961, Ia ed./2a tir., 1998, Bookseller - grifei). No caso, cumpre destacar que o acórdão emanado do E. TRF/3ª Região parece revestir-se de fundamentação idônea, apta, por si só, a atender, de modo mais que adequado, às exigências legais ínsitas às diversas modalidades de prisão provisória, notadamente se considerados, de um lado, a própria natureza do ato sentencial, e, de outro, os elementos que lhe dão suporte. Sob tal aspecto, e tendo-se em vista a própria jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, parece revestir-se de legitimidade jurídica a decisão, que, emanada do E. TRF/3ª Região, confirmou, em parte, a condenação penal imposta o ora paciente e ordenou a expedição, contra ele, de mandado de prisão, não obstante o reconhecimento, em seu favor, pelo magistrado sentenciante de primeiro grau, da possibilidade de o condenado recorrer em liberdade, o que se registrou, efetivamente, no caso ora em exame, em que o paciente, valendo-se dessa garantia, apelou, livremente, sem necessidade de recolher-se à prisão, exaurindo-se, no entanto, nesse ponto, a eficácia da garantia assegurada pelo ato sentencial proferido em primeira instância: "Habeas cor pus. Direito assegurado à paciente de apelar em liberdade e assim permanecer até 'o trânsito em julgado de eventual apelação". 2. Art. 594, do Código de Processo Penal. Garantia de, tão-somente, apelar em liberdade. inexistência de conflito com o art. 5., inciso LVII. da Constituição. 3. De acordo com o § 2. do art. 27, da Lei nº 8.038/1990, os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. 4. Acórdão que, ao julgar a apelação, substituiu a decisão de primeiro grau, mantendo a condenação severa à pena restritiva de liberdade, embora minorando-a, e determinando, ainda, a expedição do mandado de prisão. 5. Mantida a sentença condenatória, contra a qual a ré apelara em liberdade, exauridas estão as instâncias ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça. 6. Habeas corpus indeferido." (RTJ 172/108, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA) "1. A imediata expedição de mandado de prisão, em face da decisão proferida em sede de recurso de apelação não provido, não configura constrangimento ilegal, conforme jurisprudência desta Corte. 2. O recurso especial e o extraordinário, porque não possuem eficácia suspensiva do julgado, não obstam a execução provisória da decisão que condenou o paciente à pena de reclusão. 3. Habeas corpus indeferido."(HC 77.391-SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei) "JUIZ QUE CONDICIONA A EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO AO - TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇAO PENAL. A deliberação do magistrado de primeira instância, que condiciona a expedição do mandado de prisão ao prévio trânsito em julgado da condenação penal, embora garanta ao réu o direito de apelar em liberdade contra a sentença, não vincula os Tribunais incumbidos de julgar os recursos ordinários ou extraordinários eventualmente deduzidos pelo sentenciado. O Tribunal ad quem, em conseqüência, pode ordenar; em sede recursal, a prisão do condenado, quando improvido o recurso por este interposto. O acórdão do Tribunal ad quem - porque substitui a sentença recorrida no que tiver sido objeto de impugnação recursal - faz cessar, uma vez negado provimento ao recurso da defesa, a efICácia da decisão de primeiro grau, no ponto em que esta assegurou, ao sentenciado, o direito de recorrer em liberdade. Precedente." (RTJ 168/526, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Impõe-se registrar, finalmente, que a alegada nulidade do julgamento, por suposta ocorrência de cerceamento de defesa, não parece revestir-se de plausibilidade jurídica, eis que - tal como enfatizado no parecer do Ministério Público Federal, transcrito nas informações prestadas pelo eminente Ministro HAMILTON CARVALHIDO (fls. 461/462) - as "231 folhas de documentos", produzidas, nos autos, por determinado co-réu, não teriam prejudicado o ora paciente ("pas de nullité sans grief'), quando do exame, pelos Juizes do TRF/3ª Região, do recurso de apelação criminal, não havendo tido, tais peças documentais, qualquer influência na resolução da causa, cujo desfecho. perante aquela E. Corte Regional, resultou parcialmente favorável ao ora paciente, que veio a ser absolvido das acusações pertinentes aos delitos tipificados nos arts. 6º e 10 da Lei nº 7.492/86 e no art. 288 do CP, com conseqüente repercussão na sanção penal imposta a Denizar Azevedo, que foi reduzida, de doze (12) anos de reclusão (fls. 457), para oito (8) anos de prisão (fls. 458). Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, não vejo como acolher a pretendida concessão de medida liminar requerida pelos ilustres impetrantes. Publique-se. Brasília, 1º de julho de 2002. Ministro CELSO DE MELLO Relator.”
O mesmo se diga quanto ao art. 27, § 2º. da Lei nº. 8.038/90, dando efeito apenas devolutivo aos recursos especial e extraordinário. Neste sentido, atentemos para a lição de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual esta norma “visa a regulamentar os recursos de forma genérica, não sendo aplicável, quanto aos efeitos prisionais, à esfera penal.”[36] Neste mesmo sentido, Paganella Boschi, para quem este parágrafo “endereça-se unicamente aos processos cíveis, porque nestes a execução provisória da sentença, mediante caução pelo autor, é perfeitamente admissível. Jamais as sentenças proferidas nos processos criminais, por implicar ofensa aberta, direta e frontal à garantia da presunção de inocência, antes citada.”[37]
Aliás, não é mesmo possível admitir-se o efeito somente devolutivo do recurso especial (e mesmo do extraordinário) na esfera penal, pois estaríamos contrariando o princípio constitucional da presunção de inocência.
Vejamos a posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria:
“Diante dos princípios constitucionais da presunção de inocência e devido processo legal, não subsiste o art. 637, do Código de Processo Penal, pois não recepcionado pela Constituição da República. O art. 27, § 2.º, da Lei 8.038/90 estabelece regras gerais sobre os recursos especial e extraordinário, e, frente aos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal e à Lei 7.210 (Lei de Execuções Penais), não abarca esses recursos quando encerrarem matéria penal cujo conteúdo tenda a afastar a pena imposta. Inteligência dos princípios da máxima efetividade e da interpretação conforme a constituição, cânones da hermenêutica constitucional. Tanto o art. 669 do Código de Processo Penal, quanto a Lei 7.210/84 exigem o trânsito em julgado de decisão que aplica pena restritiva de direitos para a execução da reprimenda.” (STJ, Rel. Min. Paulo Medina, HC n .º 33.106, DJU de 06.09.04, p. 312).
“HABEAS CORPUS Nº 32.732 - RJ 2003/0234993-0 (DJU 06.06.05, SEÇÃO 1, P. 370, J. 05.08.04). RELATOR: MINISTRO PAULO MEDINA. EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO. INEXISTÊNCIA. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. SENTENÇA. PRISÃO CONDICIONADA AO TRÂNSITO EM JULGADO. APELAÇÃO EXCLUSIVA DOSRÉUS. TRIBUNAL A QUO. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. REFORMATIO IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Diante dos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal, não subsiste o art. 637, do Código de Processo Penal, pois não recepcionado pela Constituição da República; 2. O art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90 estabelece regras gerais sobre os recursos especial e extraordinário, e, frente aos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal e à Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), não abarca esses recursos quando encerrarem matéria penal cujo conteúdo tenda a afastar a pena imposta; 3. A Súmula 267 do Superior Tribunal de Justiça deve ser interpretada no sentido de ser possível a prisão provisória, ainda que interposto recurso especial, somente quando presente qualquer dos motivos ensejadores da prisão preventiva, dado o caráter cautelar das prisões provisórias; 4. Inteligência dos princípios da máxima efetividade e da interpretação conforme a constituição, cânones da hermenêutica constitucional; 5. Dispondo a sentença condenatória - transitada em julgado para a acusação - que o réu pode recorrer em liberdade, porque inexistentes os requisitos da prisão cautelar e, além disso, condicionando a execução da pena ao trânsito em julgado, não pode o Tribunal a quo, em apelação exclusiva da defesa, piorar a situação do condenado, para determinar a imediata execução da reprimenda, pois caracteriza reformatio in pejus; 6. Ainda que o Tribunal de 2º grau não esteja vinculado ao juízo de primeira instância, não está autorizado a reformá-lo, em qualquer de seus dispositivos, sem motivada fundamentação (art. 93, IX, CRFB). 7. Ordem concedida.”“Sentença condenatória. Pena privativa de liberdade. Substituição por penas restritivas de direito. Decisão impugnada mediante recurso especial, pendente de julgamento. Execução provisória. Inadmissibilidade. Ilegitimidade caracterizada. Ofensa ao art. 5.º, LVII, da CF, e ao art. 147 da LEP.” (STF, Rel. Min. Eros Grau, HC 84.677-7, DJU de 08.04.2005).Ainda recentemente, a 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça suspendeu o cumprimento da condenação pela Justiça mineira do ex-Prefeito do Município de São Francisco (MG) até que os Ministros apreciem o mérito de seu habeas corpus. A medida é resultante de uma liminar concedida pelo Ministro Felix Fischer que, seguindo jurisprudência do Tribunal, deferiu o pedido para que o ex-prefeito mineiro aguarde o pronunciamento do STJ em liberdade. No pedido de habeas corpus apresentado ao STJ, a defesa sustentou que a expedição da mandado de prisão se deu exclusivamente em razão do efeito meramente devolutivo que possuem os recursos excepcionais. Ao analisar o pedido, o relator, Ministro Felix Fischer, considerou a existência de julgamentos anteriores, não só do STJ como também do Supremo Tribunal Federal, no sentido de permitir a concessão de fiança em casos excepcionais, a fim de se evitar a execução da pena até o trânsito em julgado da condenação. Dessa maneira, concedeu a liminar "a fim de apenas sustar a execução da resposta penal até o julgamento final deste writ". (HC 41482).Em outra oportunidade, o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a ordem de prisão decretada contra o procurador estadual do Rio de Janeiro H.B.N, condenado por ter supostamente falsificado uma nota fiscal de um engate de reboque para conseguir o cancelamento das multas de seu veículo. A decisão ocorreu na análise do Habeas Corpus (HC) 91520, no qual a defesa pedia para seu cliente não ser preso e poder apelar da condenação em liberdade. “O STF vem firmando o entendimento de que a execução provisória da pena, assim entendida aquela que se inicia antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, abarcadas as hipóteses de recursos especial e extraordinário, é inconstitucional”, afirmou o relator. Por essa razão, Lewandowski considerou plausível a fumaça do bom direito, um dos requisitos para a concessão de liminar. Segundo o ministro, o fato de o cumprimento da pena não ser confirmada, eventualmente, pelas instâncias superiores poderá trazer prejuízo ao acusado. Assim, ele ressaltou que o perigo na demora da decisão - outro requisito para o deferimento do pedido - também está presente no caso. Contudo, reconheceu, nos mesmos precedentes, a possibilidade de se decretar a prisão cautelar, “ainda que pendente o trânsito em julgado, presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal”. Para finalizar, recorremos, mais uma vez, a Larenz:
“Mediante a interpretação ‘faz-se falar’ o sentido disposto no texto, quer dizer, ele é enunciado com outras palavras, expressado de modo mais claro e preciso, e tornado comunicável. A esse propósito, o que caracteriza o processo de interpretação é que o intérprete só quer fazer falar o texto, sem acrescentar ou omitir o que quer que seja. Evidentemente que nós sabemos que o intérprete nunca se comporta aí de modo puramente passivo.”[38]
Notas:
[1] Larenz, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª. ed., 1997, p. 441.
[2] Tucci, respaldado pelas lições de Guglielmo Sabatini, prefere a expressão não-consideração prévia de culpabilidade, pois “l’imputato è sempre e solo imputato ai fini dello svolgimento del processo. Quindi non va considerato nè come innocente, nè come colpevole.” (in Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 401). Outros autores falam em princípio da não-culpabilidade e, como Dotti, em princípio da incensurabilidade.
[3] Expressão preferida pelos italianos, ao invés do periculum in mora (cfr. Delmanto Junior, Roberto, in As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 67).
[5] Estudos Jurídicos em Homenagem à Faculdade de Direito da Bahia, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 88.
[6] Moraes, Maurício Zanoide de, Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 29.
[7] Apud Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua Integração ao Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 91.
[8] “Este princípio, perseguido pelo direito internacional geral, e vigorosamente defendido por setores da doutrina brasileira, parece não haver ganho, até o presente, expressiva concreção na jurisprudência brasileira, devendo ser lembrada a questão do depositário infiel.” (Bahia, Saulo José Casali, Tratados Internacionais no Direito Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 116). O STF, reiteradamente, combate-o.
[9] Teoria Geral do Processo, São Paulo: Malheiros Editores, 1999, 15ª. ed., p. 74.
[10] “Ser diplomado (já) não significa ter emprego ou sucesso profissional” – http://www.ultimainstancia.ig.com.br/ – 21 de junho de 2005.
[11] “Interpretação conforme a Constituição” - [email protected] (19/06/2005).
[13] Fumus commissi delicti: indícios da autoria e prova da materialidade do crime.
[14] José Antonio Paganella Boschi, “A sentença penal”, Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 05/2002.
[15] Processo Penal, São Paulo: Atlas, 10ª. ed., 2000, p. 649.
[16] Direito de Apelar em Liberdade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª. ed., p. 32.
[17] José Antonio Paganella Boschi, “A sentença penal”, Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 05/2002.
[18] “A interpretação jurídica, insista-se, não pode ser meramente literal. No dizer do jurista italiano Dellogu, a letra da lei é ponto de partida, não é ponto de chegada!” (Luiz Vicente Cernicchiaro, Escritos em Homenagem a Alberto Silva Franco, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 290).
[19] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.
[20] Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, Vol. I, p. 79.
[21] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 79.
[22] Ocorre que “nenhuma presunção emanada do legislador infraconstitucional pode prevalecer sobre a presunção constitucional”, como diz Luiz Flávio Gomes, ob. cit., p. 26.
[23] Ob. cit.
[24] Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “nunca foi tão importante estudar os Goldschmidt, mormente agora onde não se quer aceitar viver de aparências e imbrogli retóricos.” (O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 12).
[25] Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 37.
[26] “Estes são, sobretudo, os princípios e decisões valorativas que encontram expressão na parte dos direitos fundamentais da Constituição, quer dizer, a prevalência da ‘dignidade da pessoa humana’ (...), a tutela geral do espaço de liberdade pessoal, com as suas concretizações (...) da Lei Fundamental.” (Larenz, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª. ed., 1997, p. 479).
[27] Idem, p. 481
[28] idem, ibidem, p. 446.
[29] “Toda a interpretação de um texto há-de iniciar-se com o sentido literal” (idem, p. 450).
[30] Filosofia do Direito, São Paulo: Saraiva, 7ª. ed., 1975, pp. 508 e ss. (apud Luiz Flávio Gomes, Estudos de Direito Penal e Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 217).
[31] Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 1961, 9ª. ed., pp. 122 e ss. (apud Luiz Flávio Gomes, Estudos de Direito Penal e Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 218).
[32] Fiore, Pascuale, De la Irretroactividad e Interpretación de las Leyes, Madri: Reus, 1927, p. 579 (tradução do italiano para o espanhol de Enrique Aguilera de Paz).
[33] “Consiste o processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto”, segundo ainda nos ensina Carlos Maximiliano, ob. cit. p. 164.
[34] Infelizmente já houve um retrocesso, pois a nova lei de tóxicos (Lei nº. 10.409/02, art. 46, § 12), estabelece que terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do respectivo procedimento, o que é lamentável.
[35] Idem, p. 165.
[36] Apud Roberto Delmanto Junior, in As modalidades de prisão provisória e o seu prazo de duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 206.
[37] Revista de Estudos Criminais nº. 05, Porto Alegre: Editora NotaDez, 2002.
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. O direito de apelar em liberdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2008, 19:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /15115/o-direito-de-apelar-em-liberdade. Acesso em: 28 dez 2024.
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